✷Residência Artística no Japão✷
- Laís Machado
- 4 de abr.
- 5 min de leitura
Não importa quantas fotos você tire em uma viagem, nunca será suficiente para matar a saudade. Isso que eu percebi enquanto montava esse texto.
Na newsletter/post anterior eu falei como estava difícil criar, como o trabalho mecânico de fazer ilustrações matou um pouco minha criatividade, cultivada durante toda a minha vida antes do trabalho em estúdio. E, como uma tentativa de driblar a monotonia que conheci nas quatro paredes do meu emprego e do meu quarto, tentei atirar longe, mudar completamente o ambiente, sair da comodidade sem graça de onde estava, pode parecer metido a besta dizer isso, mas o artista morre se ele não vê o mundo, é impossivel criar apenas dentro de cômodo.. Me inscrevi em uma residência artística, bem longe e num país que com certeza me inspiraria, pois desde pequena ele influencia meus gostos, o Japão.

Eu me inscrevi no primeiro semestre de 2023 para o ˜Almost Perfect˜ (falecida residência em Tóquio), mas não passei, e assim tentei minha segunda opção: o "Studio Kura" em Itoshima, Fukuoka, e isso foi a melhor coisa que poderia ter me acontecido.
Eu, como uma pessoa de classe baixa que não tem tanto dinheiro para investir em viagens internacionais, juntei tudo o que consegui em um ano e meio para chegar até o Japão e me manter lá durante pouco mais de um mês. Se eu tivesse conseguido a residência em Tóquio, provavelmente nem sairia da cidade e seus arredores, seria mais simples, mais barato. Mas, indo pra Itoshima pude conhecer o lado do Japão que talvez não colocasse no meu roteiro num passeio normal, uma cidade tão pequena, no litoral, com plantação de arroz por todos os lados e carangueijos atravessando a rua..

Não é exagero dizer que o lugar parecia saido de um filme do Ghibli, parece repetitivo dizer isso de todo lugar do Japão, mas é a mais pura verdade. Para comprovar, vou colocar aqui mais algumas fotos antes de seguir com o texto. E esse é só o caminho até o mercado.
✷Mas qual foi o trabalho que desenvolvi por lá?
Eu queria desenvolver algo que fizesse sentido aqui no Brasil também, mas que tivesse esses pedaços de Itoshima, que o local me fornecesse referências e inspirações. Eu fiz uma HQ, Uma história em desenhos sobre uma pequenina garotinha (do tamanho de uma estrela do mar), que vive na praia e coleciona conchinhas.
Vou te dizer a verdade, hoje em dia eu não faria mais nesse formato, não acho mais que precisava ser uma história em quadrinho ou um livro ilustrado para ter uma narrativa, mas eu também não teria mudado de ideia se não fosse pelo tempo que compartilhei com esses outros artistas lá em Fukuoka.
Vários dias na semana eu saia de casa para uma caminhada de 5 minutos ( ou menos) até a praia, onte eu ficava até estar escuro demais pra enxergar o que tinha na areia. Todos os dias a praia me trazia coisas novas, criaturinhas diferentes, vivas e mortas, carcaças que pareciam fósseis e todo tipo de concha. Cada uma delas fez parte das aquarelas que pintei no papel.
Queria muito fazer esses desenhos com materiais japoneses, em parte porque fazia sentido, em parte porque queria muito entrar numa loja de arte japonesa e comprar algumas coisas. Foi assim que escolhi as aquarelas Gansai, um tipo de aquarela japonesa, de pans grandes para caber um pincel japonês e mais opaca e de cor vívida que as aquarelas ocidentais. Voltei para o Brasil e não consigo mais usar as tintas na Winsor&Newton, Van Gogh, Cotman... elas parecem hoje tão sem vida... haha.
Eu sabia que não teria como imprimir a tempo da exposição em um formato de livro, então coloquei todos na parede para que os visitantes pudessem ver. Você deve pensar que quase não aparece gente para olhar os trabalhos em uma cidade tão pequena e distante. Mas eles vão. Há convidados do Hiro, nosso anfitrião, pessoas que conhecemos e convidamos durante a nossa estadia (o Kura produz os convites para os artistas distribuirem) e até gente da prefeitura, já que o Studio Kura é um importante pedaço da cultura local.
Essa pequena história que chamei de ˜Dentro da Concha" será impressa em risografia e lançada na PocCon, evento de artes que acontece nos dias 20 e 21 de junho em São Paulo. Mas não sem antes uma pré-venda lá na loja, pra me ajudar a custear a impressão, então se você puder, compre na pré-venda.
Assim como em grande parte das residências ao redor do mundo, eu dividi minha casinha com artistas incríveis, os quais me inspiraram muito com suas diferentes técnicas artísticas e me deram curiosidade de experimentar caminhos diferentes para fazer arte:
✷ Barbora Kachlikova, uma incrível artista nascida na República Tcheca que reside hoje na Finlândia. Ter acompanhado uma artista ADULTA, tão madura, vivendo de arte e com a agenda lotada me fez ter esperança de que talvez trabalhar para um estúdio não seja o único jeito de viver com arte. Seu trabalho abstrato também abriu meus olhos para estudar mais sobre o estilo, que é tão deixado de lado pelo conteúdo da faculdade de Belas Artes.
✷ Veronika Abigail Beringer e Lisa Slawitz são ambas da Austria, elas são amigas que se inscreveram juntas para essa residência. A Vero tem um trabalho com cerâmica que eu me apaixonei, ela trabalhou com miniaturas de casas de banho, algo muito tradicional no Japão, com cada azulejinho e mini acessório feito a mão, vale dizer que ela levou seu cônjuge (foi quem tirou minha foto no arrozal) para passar esses dias com ela. Lisa pinta humanóides com formas e cores loucas e lindas, seu trabalho é muito sobre as relações entre nós humanos, suas pinturas talvez tenham sido as que mais me deram ideias para explorar coisas novas.
✷ Les Maleantes é a dupla que os irmãos Adriana e Arnau, espanhóis que residem em Berlin, formam quando colaboram em suas artes performáticas. Adriana é interprete, atua e dança, enquanto seu irmão Arnau é DJ e faz toda a sonorização da dupla. O projeto desenvolvido por eles no Kura foi o mais diferente entre todos. Uma espécie de gravação guia sobre o silêncio, com uma caminhada nos silenciosos arredores do estúdio e uma performace a distância de Adriana. Pra mim, uma lembraça de que a arte vem em diversos formatos.
Havia outros residentes nas outras duas casas do Kura, mais ou menos a mesma quantidade de pessoas em cada, mas são muitos pra eu falar, então decidi focar apenas em meus "roomates", foi com eles também que passei a maior parte do tempo. Tem algo que a Vero me disse, como uma artista que já passou por diversas residências, que uma Residência Artística vai muito além de chegar num lugar e desenhar/pintar, é sobre viver o local e conhecer seus colegas, afinal essa experiência não é como alugar um estúdio num lugar distante para trabalhar, é sobre coletar todos esses momentos para criar a sua arte da sua maneira.
Foi uma experiência única e insubstituível. Espero fazer algo parecido novamente em breve.
Ah! Se você quer ver mais sobre a residência e Itoshima, eu fiz um video que está lá no meu canal do YouTube.
Até a próxima!
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